10:17 | Author: P
("O tempo, meu dilema, vai arrastando meus preciosos segundos, feito correnteza. vai corroendo, fazendo de mim um grande museu de pequenas coisas...")

no meio do quarto vazio, estava sentado confortavelmente numa almofada, despido de tudo que não fossem lembranças e um fino lençol. já passava de 4 horas e meia da manhã. a chuva tempestiva talvez fosse a causa de constantes quedas de luz e parecia que ia custar a passar. os relâmpados...eles eram os flashes das suas fotografias mentais, lembraças tão vivas que pareciam ter ocorrido há poucos instantes atrás...
- estranho, até parece que foi agora há pouco...- e só se ouvia o barulho de chuva, dos trovões e do coração palpitante.

("O tempo, meu dilema, vai arrastando meus preciosos segundos, feito correnteza. vai corroendo, fazendo de mim um grande museu de pequenas coisas...")

palavra por palavra, parecia marcar-lhe de tal forma absurda, que nem se lembrava mais...não lembrava mais daquela boca...do som da voz manhosa e rouca...dos movimentos tão expressivos dos lábios carnudos e, no entanto, relutantes de se expressar...da maciez da pele ao redor da boca, que lhe cobria todo o resto do corpo, tão pálido e brilhante sob a luz do luar...do corpo emaranhado nos lençóis e nos seus braços e pernas...

("O tempo, meu dilema, vai arrastando meus preciosos segundos, feito correnteza. vai corroendo, fazendo de mim um grande museu de pequenas coisas...")

aquela frase simplesmente surgiu. e, como se o mundo o todo o atravessasse, penetrando sua carne por todos os poros, estancou. o mundo parecia paralizado. se se virasse, o mundo também viraria. se ele virasse o rosto pra direita, o mundo vinha pra esquerda. levantou-se. o mundo, se abaixou. a cada passo que dava o mundo saia do lugar. e assim como o mundo o trespassava tal qual punhal, expandia-se também em direção contrária...o seu eu mais íntimo, quase inalcançável, expandia e fundia-se a tudo que não era ele próprio.

("O tempo, meu dilema, vai arrastando meus preciosos segundos, feito correnteza. vai corroendo, fazendo de mim um grande museu de pequenas coisas...")

o tempo parecia não ter mais tanta importância. tudo estava justamente onde devia estar. a distância serviu-lhe de abrigo. a solidão de companhia. a saudade lhe trouxe gratidão. o coração acelerado, aquietou-se...e assim pode aproveitar melhor a chuva.
Espera
12:17 | Author: t
 Fiquei velho esperando. Envelhecer é perder as lembranças e eu as perdi, quase todas, ao longo dos dias. Para onde fui, não haviam mais varandas ou janelas para vê-la e sorrir com ela. Comecei a sonhar com isso e a amava por toda a noite, para acordar chorando de saudade, com o cheiro dela nas mãos. Foram longas essas manhãs. Lembrava de madrugadas, da areia da praia nos seus pés, dá água do mar no seu corpo, da cor de mel...Até que parei de sonhar.
 Andei nas ruas, em bares, rodinhas de violão e risadas, na praia; andava bestamente, mas sempre procurando o sonho que havia esquecido em algum lugar. Vi umas rosas, alegrias e amores que lembravam o sorriso dela. Então eu conseguia sonhar mais um pouco e acordar com um pedaço do som da sua voz. Mas até essas pequenas memórias as perdi em algum lugar.
 Agora estou velho e nem enxergo direito. Passo dias e noites com a cabeça vazia de tudo, esperando. Acordo cedo, com as dores, sentindo falta de alguma coisa mas sem saber o que é. As vezes vou até a praia, sento na beira da água e o cheiro do mar e da areia me fazem chorar. Na volta, me acomodo na calçada de casa e olho para as varandas em frente, esperando que alguma coisa aconteça. Nada mudou nos últimos anos, nada aconteceu. Mas a saudade do que éramos, na verdade só a saudade, me faz esperar todas as manhãs pelo antigo novo dia...