05:50 | Author: M.
"Quando morrer, voltarei para buscar todos os instantes que não vivi junto do mar..."



Acordou. Em volta, o quarto a abraçar lhe os olhos. As paredes, silenciosas, leais, que antes expunham fotografias, quadros, estavam vazias. Tudo, tudo, tudo... Tudo no chão. Os joelhos sangrando e as juntas dos dedos. Bibelôs, desenhos, cartas, incensários, livros, lençóis, bolsas, roupas, discos, aparelho de som... Tudo no chão.
Acordou sobre uma cama rota, crua. Mas... Enfim, acordou. E já não podia deixar de ver o que, sob os pés lhe apontavam os cacos de seu antigo ninho. Agora antigo. Era tudo fim.
Puxou os cabelos para trás com leveza para ver com precisão. O nada estava lá, no meio de tantas coisas que ela já não reconhecia. Era só a destruição de suas guerras diárias, era só a ardência de estar viva.
Não saber viver sem explodir é uma sina dos neuróticos incompetentes. Eles têm, precisam... É tudo... Explodir. A força que falta à neurose ridícula devastou o quartel general do equilíbrio. O delírio tomou forma, ganhou razões para não se esconder, não se tolher.
Correu em busca de alguma vassoura, sacos de lixo, precisava limpar tudo, tudo! Não podia seguir observando a loucura. Precisava guardar o que restara e restaurar tudo! Mas já não havia nada além.

Quanta alucinação cabe? Quanta onda cabe? É o feminino, avisaram lhe... É o feminino puxando lhe pelos tornozelos...
A cabeça entre as mãos, os pés apontando pra dentro. (suspiro)
08:14 | Author: M.
"Ele não me ama!", "Ele não me ama!..." Ela repetia aos berros mentais essa trágica resolução amorosa. E coordenava os passos e o sentimento numa corrente, arrastando -se pela casa. Como se, fastiosa de viver, já fosse o próprio fantasma de si. Sentia o coração acelerar e já passava muito do meio-dia. Comer, para ela, tinha o peso da solidão de séculos. Como viver esse aleijo?
O dia passando à meia luz e, embora soubesse que lá fora arde, ela sentia frio. Os berros mentais diminuiram, música sempre ajuda... Ah, o silêncio da solidão... E todas as possibilidades que ele dá à cabeça, já não vaga.
É preciso comer e encarar a falta de apetite completa. Quase nojo, lembrava que era pecado enojar - se da comida. Seu pai a lembrava, embora estivesse longe.
Comeria. Certamente, comeria.
O coração ainda...
E dava de arrefecer a rigidez nas costas. Como dormia mal! Acordava, certos dias, ainda mais cansada. Como se dormir fosse uma batalha. Não se lembra de tempos de dormir bem, mas queixumes sobre a nuca, as cadeiras, os braços doloridos. E como lhe doíam os braços! Pareciam sempre enfraquecer, como galhos à ponto de quebrar.
Arisca, fez- se ríspida para ele.
Por que, dolorida, não costuma se expôr. Não costuma...
Ríspidez causando lhe arrepios por trás das costelas. Antes dos poros, os músculos já se arrepiavam, erissados, ciclídeos. Na rapidez de quem corta a água, ela se pôs em busca de ajuda. Por que não poderia mesmo permanecer... O coração ainda... Então.